DESAPARECIDOS:
ausências que fazem o tempo parar
As causas, as sequelas, as estatísticas. Entenda como seria possível prevenir as ocorrências e por que os casos sem solução ilustram um drama de impacto social cada vez maior em Salvador
Perder um filho, mãe, pai ou irmão e não saber onde eles estão é uma realidade diária na capital baiana. Em dez anos, foram quase 8 mil pessoas que se ausentaram sem vestígios e mesmo após a localização ou retorno, ainda restam 2.250 pessoas extraviadas. Em média, são dois cidadãos que somem todos os dias nos bairros soteropolitanos, especialmente na periferia, mas os números podem ser muito mais expressivos. Má vontade política, descaso, falta de delegacias especializadas e de integração entre os órgãos competentes, investigação precária e núcleo familiar sem estrutura são os componentes encobertos pelas estatísticas. Por sua vez, o Estado patina ao tentar viabilizar políticas públicas eficazes. Números de ONG's sugerem 40.000 pessoas deslocadas dos seus domicílios, mas ninguém sabe ao certo quantos desaparecidos existem atualmente no Brasil. Enquanto isso, a espera dos familiares pode ser longa. Às vezes, dura uma vida inteira estagnada: sem notícias, sem definição.
Foto: Tom Correia |
Sábado, dia dos namorados, 2010. Luciano Santos, 29, levantou-se cedo, arrumou suas coisas e conferiu no relógio que estava atrasado, já havia perdido o ônibus das sete da manhã que o levaria até a Brasquímica, fábrica de produtos asfálticos do Distrito Industrial de Candeias. Morando no bairro de Águas Claras, vivendo há sete anos com a vendedora ambulante e evangélica Diene Lima, 32, Luciano deu o presente da esposa, um kit de óleo corporal da Natura e recebeu um perfume Kayak. Pai de Amanda, 4 anos, e padrasto amoroso de Jennifer, 15 e Richard, 9, o operador industrial estava em ascensão profissional: começara como auxiliar de serviços gerais e, em cinco anos, foi promovido três vezes. Para encorpar o orçamento, Diene vende bebidas numa barraca no Centro Histórico. Antes de sair, ele deu um beijo na mulher e disse: “Se eu não vier pra casa, encontro você no Pelourinho”.
De acordo com a Polícia Interestadual da Bahia - Polinter, entre os anos de 2000 e 2009, foram registrados em Salvador 7.632 desaparecimentos, mas detalhes como bairro, gênero e idade só foram coletados em 2008 e 2009. “Este ano decidiram não pedir mais isso. Ainda bem, não sei pra que servia”, diz a escrivã responsável pelos relatórios mensais enviados ao Centro de Documentação e Estatística Policial da Secretaria de Segurança Pública (SSP/BA). Caso o governo quisesse levantar um perfil preciso de quem some todos os dias nas ruas soteropolitanas, enfrentaria dificuldades. Sem uma base de dados precisa, futuras e hipotéticas campanhas específicas de prevenção estariam prejudicadas. Uma das intervenções possíveis seria mapear bairros com maior incidência, levantar a faixa etária mais frequente das vítimas e, a partir disso, ministrar palestras educativas nas comunidades, além de informar a população sobre seus direitos e orientá-la quanto a procedimentos diante de algum caso na família. Ainda segundo a Polinter, 5.377 pessoas foram localizadas entre vivas – retornando aos seus lares, encontradas por outras pessoas – e mortas, com entrada no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.
A Praça da Piedade já foi conhecida como local dos fotógrafos lambe-lambe e moradia de camaleões, ambos erradicados por razões distintas: tecnologia e ignorância. Os familiares de pessoas desaparecidas já demarcaram território ali, transformando o local numa espécie de quartel-general de lamentações, esperanças renovadas a cada aparição de vinte segundos na tela durante a exibição semanal do quadro que vai ao ar desde 2001 pela TV Bahia. No final da manhã de uma quarta-feira, Diene e outras esposas, pais e parentes de quem sumiu, conversam entre si, sentados na Praça da Piedade à espera do início da transmissão ao vivo. Enquanto aguardava, ela lembrava o frio e a agonia que tomaram conta do seu corpo na noite que dormiu sem o marido. Passou a noite em claro imaginando situações que podiam estar sendo vividas por Luciano. No dia seguinte, soube que ele não havia aparecido no trabalho e só então a família iniciou as buscas. “Fomos na Polinter, mas mandaram a gente procurar primeiro nos hospitais todos e só depois registrar a queixa. A gente procurou HGE, Roberto Santos, Ernesto Simões e fomos pro IML, onde tinha quatro corpos não identificados. Nenhum era ele...”, recorda.
Diene Lima: em busca do marido que se
foi no dia dos namorados. Foto: Tom Correia |
Um ambiente hostil
O prédio da Secretaria de Segurança Pública tem intensa movimentação. Da entrada principal até o anexo de fachada cinzenta, são cerca de setenta passos. A descida lateral leva às dependências da sede da Polinter no estado da Bahia. Corredores acanhados, móveis gastos e arrumação descuidada das estantes são um cartão de visita desanimador para quem precisa recorrer ao órgão. Numa das paredes, há um pequeno quadro com fotos impressas e desbotadas de pessoas que saíram pela porta e não retornaram; muitos nem quiseram se despedir: os que fugiram espontaneamente. Agentes fazem perguntas e preenchem os boletins de ocorrência. O atendimento é lento. A todo instante os telefones tocam. A pessoa precisa aguardar ali, paciente, na expectativa de que o registro seja o início de buscas que terminem com a rápida localização de quem sumiu mundo afora. A sala possui dois monitores de TV que mostram em circuito fechado imagens escuras da carceragem. Um relógio branco, com a base quebrada, está grudado à parede de pintura gasta. Há um papel A4 com a impressão: 'Tempo de Visita: 10 minutos'. Outro servidor chega e atende uma ligação. Alguém informava a localização de um cidadão com distúrbios mentais. “Só podemos tomar providência se tiver registro aqui”, diz o agente, 22 anos de profissão, há quatro trabalhando no setor. “Ligamos hoje para os familiares, vamos ver se a delegacia pode fazer alguma coisa. Vamos ver aí, vou te dar um retorno”, desliga.
Segundo o Sindicato dos Policiais Civis do Estado da Bahia – Sindipoc, atualmente existem 4 mil agentes policiais, 3.500 viaturas e 48 investigadores, dos quais 12 são lotados na Polinter. São esses doze agentes os responsáveis pela investigação de casos em todo o estado. Em 2010, a dotação orçamentária da Secretaria de Segurança Pública foi de cerca de R$ 2 bi. Entretanto, para o vice-presidente do Sindpoc, Marcos Maurício, a mudança da atuação da SSP não depende de altos investimentos. “É necessário que a sociedade não seja mais punida, mas apresentada a soluções envolvendo outros setores além do âmbito do órgão. Para estabelecer mudanças efetivas há um gargalo a ser superado: independente de ideologias, a SSP é fatiada por partidos políticos”, critica.
Luciano saiu de casa e caminhou cerca de vinte minutos até o Posto Caramuru, às margens da BR-324. Tomou um cafezinho, fumou um cigarro e conversou um pouco com o vendedor de mingau, talvez lembrando do vasilhame de suco que havia sumido da geladeira no meio daquela semana. No refeitório da Brasquímica, onde cerca de 80 funcionários se reúnem todos os dias na hora do almoço, faltava o líquido num recipiente cujo dono, Valdomiro, ficou possesso ao descobrir o pequeno furto. Passou a xingar a mãe de todos os colegas, disparando palavrões para todo lado. Para defender um dos amigos, Luciano discutiu com Valdomiro, com quem não falava há três anos, chegando a chamar o rival para a briga. Diene soube do fato e aconselhou o marido. “Deixa de arrumar confusão, menino”. Já Luciano fez um alerta: “Se acontecer alguma coisa comigo em Candeias foi ele e Messias [outro desafeto]”. A queixa foi registrada dez dias depois do desaparecimento. Durante semanas seguidas, a família circulou em busca de pistas que revelassem o paradeiro: Centro Industrial de Aratu, Simões Filho, Mapele, Ceasa. Baseados em informações que recebiam da Polinter, viajaram em vão para procurá-lo em Castro Alves, Amélia Rodrigues, Humildes e Conceição do Jacuípe.
Foto: Tom Correia |
No Brasil não existem delegacias especializadas em buscas de desaparecidos. A Polinter é responsável originalmente pela busca e apreensão de foragidos mediante mandados judiciais, além de manter a custódia dos presos. Na unidade de Salvador, o telefone é o meio mais usado para se localizar desaparecidos nas delegacias, hospitais, IML’s e juizados. A internet não é um recurso corriqueiro: na parte térrea do setor, há três terminais de computador, um deles para o registro da ocorrência. Os dados não estão disponíveis aos cidadãos, apesar de a página virtual da pasta de Segurança Pública expor a quantidade de homicídios, roubos e furtos. O serviço de estatística policial na Bahia existe desde 1895, ano de criação da secretaria. O primeiro princípio fundamental das estatísticas oficiais foram estabelecidos pelas Organizações das Nações Unidas em 1994. O capítulo trata da relevância, imparcialidade e acesso universal e diz que as estatísticas oficiais representam um elemento indispensável ao sistema de informação de uma sociedade democrática, oferecendo ao governo, à economia e ao público, números sobre a situação econômica, demográfica, social e ambiental. E mais: os órgãos oficiais devem reunir e disponibilizar de forma imparcial, estatísticas de utilidade prática comprovada, para honrar o direito do cidadão à informação pública. Sem dados de qualidade, torna-se inviável implementar de imediato iniciativas que tratem do tema de modo específico. O perfil exato de quem desaparece todos os dias em todo o território nacional é desconhecido. Entretanto, pelos dados esparsos e colhidos em diferentes fontes, percebe-se que os negros, pobres e baixo nível de instrução são os que formam o exército camuflado atrás dos números.
O dossiê de sessenta e duas páginas que compõe o inquérito sobre o desaparecimento de Luciano apresenta desde o boletim de ocorrência registrado por sua esposa, até o relatório final assinado pela delegada Patrícia Boeno, responsável pelos encaminhamentos no setor. São termos de declarações, ordens de serviço para empreender diligências, encaminhamento ao delegado titular da circunscrição policial onde o fato aconteceu, solicitação de informações à Brasquímica, pedido de localização ao Instituto Médico Legal, ao Serviço Ambulatório Móvel de Urgência (SAMU), depoimentos de mãe e esposa, colegas de trabalho, diretor da empresa, solicitação da gravação de câmeras dos coletivos que Luciano teria utilizado. O trâmite todo, estritamente dentro do que a Justiça determina, além de engessar as buscas, pode ter colocado a vítima em perigo a cada minuto perdido entre tantas idas e vindas de documentos. Diene não teve acesso ao inquérito e também não soube responder se o fato do pai dela ser policial civil implicou tratamento diferenciado e interesse especial dos agentes da Polinter. Mas de acordo com os parentes de pessoas desaparecidas entrevistados, a lentidão no acompanhamento dos casos é fato unânime, sem falar na mais grave das distorções descobertas no órgão: a “terceirização” das investigações. Os agentes recebem informação e repassam aos familiares, que ficam com a responsabilidade de ir até o local onde a pessoa em questão foi vista.
No setor, o cidadão recebe minimamente informações que resolvem uma situação específica. As orientações são verbais, nenhum tipo de cartilha ou informativo é distribuído. Durante a apuração das estatísticas para esta reportagem, o eletricista Neemias de Souza, 38, chega pedindo informação sobre um corpo carbonizado, encontrado em Mirantes de Periperi. A suspeita é de que seja o cadáver de Jorge Luiz de Souza, 43, irmão de Neemias, mas o reconhecimento é impossível. A servidora presta informações, anotando no mesmo pedaço de papel que o homem trouxera da 5ª Delegacia: conseguir foto de Jorge sorrindo, ocorrência do levantamento cadavérico, dirigir-se ao Instituto Médico Legal pedir ofício e se submeter a exames. Não dizer que é DNA, um alerta importante, repetido duas vezes. Os exames de DNA feitos a partir de ossos, custam em torno dos R$ 5 mil, uma das razões pela qual os pedidos não são atendidos de pronto. “Tenho um mês de empresa e hoje tive que pedir folga pra tentar resolver isso. Passei o dia inteiro na delegacia”, relata. Ele conta que vai ser difícil achar fotos ou documentos do irmão, que tinha uma vida sem rumo, vivendo de favor com outra irmã. Com o pequeno papel rasgado na mão, Neemias carrega no semblante uma expressão de múltiplas interpretações. Apreensão, mau pressentimento, uma certa resignação com o destino errante de Jorge. Ao término das recomendações, sai, o ar preocupado com o que poderia ouvir do novo chefe.
Desde a aprovação da Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado da Bahia, em fevereiro de 2009, o Setor de Desaparecidos da Polinter está submetido ao Departamento de Homicídios. Para a delegada Patrícia Boeno, a nova lei deverá agilizar o processo de investigação. “Todo o processo de buscas depende de uma série de autorizações judiciais, mandados e ao passar para homicídios, que já tem experiência em lidar com esses trâmites”, afirma. O vice-presidente do Sindpoc não vê os efeitos da Lei Orgânica da mesma forma. “Na prática não muda nada. O câncer que mata a SSP são os interesses políticos que travam medidas eficazes que mudem a atuação do órgão junto à sociedade. É uma doença social que precisa ser tratada”, discorda. Engana-se quem pensa que os aspectos sociais do desaparecimento são considerados no Brasil. Há um clima de desconfiança e incerteza pairando no ar, reforçado pelo ambiente onde os registros são feitos. Em 1999, Mari Neide dos Santos, foi obrigada a procurar a Polinter para registrar queixa do sumiço de sua filha, Alice Ane Giselle dos Santos, na época, com 10 anos. “Parece que pra eles desaparecer não é uma coisa real, difícil de acontecer. Então eles não levam muito em conta se alguém chega e diz que quer prestar conta de um sumiço. Eu penso de forma eles deveriam parar para analisar o que está sendo exposto pra eles tirarem uma conclusão”, afirma.
Timidez da imprensa, leis vazias
Foto: Tom Correia |
O Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, lei 11.259 sancionada em 2009 pelo presidente em exercício José Alencar, pretende unificar todas as informações sobre o assunto, mas ainda não foi colocado em prática. Os grandes avanços, ainda que sejam na extremidade teórica do problema, ficaram por conta das emendas propostas pelo deputado Federal Eduardo Amorim (PSDC/SE). O texto apresentado por Amorim contempla a oferta de assistência psicológica aos familiares dos desaparecidos; a previsão de divulgação, em locais de circulação pública, de informações sobre os desaparecidos; e a notificação, pelo sistema de saúde, sobre atendimento de paciente incapaz de se identificar. Outro aditivo importante à lei é a abrangência de todas as faixas etárias dos que estão sendo procurados pela família. Autora da proposta de criação da CPI dos Desaparecidos, a deputada federal Andreia Zito (PSDB/RJ) acredita que crianças e adolescentes aliciados por uma rede de tráfico humano só poderão ser resgatadas e protegidas quando o Estado se sentir responsável pelo problema. “A questão toda só vai começar a ser resolvida quando o Brasil criar delegacias especializadas com agentes treinados para o tratamento dos desaparecidos”, prevê. Para efeitos de parâmetro, guardando as proporções devidas entre contextos históricos e socioeconômicos bem distintos, o fenômeno tem recebido um tratamento diferente em países como Estados Unidos e Canadá, onde uma série de iniciativas, como um alerta disparado pela polícia veiculado imediatamente pelos meios de comunicação.
Apoio emocional
Foto: Movimento Simone Pinho |
Luciano gostava de passear com a família aos domingos, quando iam a uma churrascaria do bairro. Tranquilo e brincalhão, falava com todos na vizinhança, mas quando ingeria álcool terminava se envolvendo em brigas. Duas delas, por sinal, foram com o próprio irmão, Marcos, que também gosta de beber. O fato aconteceu quinze dias antes do desaparecimento. Apesar do relacionamento familiar ser marcado por desavenças – Diene, por exemplo, não fala com a sogra nem com o cunhado; estes suspeitam do pai de Diene pelo fato dele ser policial civil – A mulher não acredita que Luciano tivesse motivos para desaparecer. “Por incrível que pareça a gente tava vivendo ótimo, porque ele tinha parado de beber, e a gente só brigava assim quando ele bebia, entendeu?”, revela. Em relação à “briga feia” entre os irmãos, ela não relaciona um fato a outro. “Não culpo o irmão dele porque tenho certeza, meu Deus, que Marcos nada fez contra ele. Luciano estava até assim meio triste por causa dessa briga... depois o irmão espancou a mulher e foi preso...”.
Estado não aparece
Foto: Divulgação |
O deputado estadual Bira Coroa, autor do projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa, afirmou no Encontro que o fato desestabiliza não só pelo próprio desaparecimento, mas a sensação de não poder sepultar um ente querido que terminam envolvidos numa situação trágica. Entretanto, não se sabe quando os efeitos práticos da proposta serão sentidas por quem aguarda o retorno dos que se evadiram de seus domicílios. “O projeto está tramitando, mas claro que há um padrão nas casas legislativas é quando o interessado não é mais um parlamentar, os projetos terminam sendo arquivados, a não ser que um outro parlamentar tenha o interesse de desarquivar”, disse. Enquanto as lacunas se alargam, surgem organizações não-governamentais como o Movimento Simone Pinho (MSP), que durante oito anos ajudou a localizar cerca de 700 pessoas. Sem apoio por parte dos órgãos governamentais, o MSP foi fechado em setembro deste ano devido às obrigações profissionais de Josenilda Lima, fundadora da ONG. Outra iniciativa do terceiro setor na Bahia é o Interbusca Desaparecidos, criada em 2006 e com cadastro de dez casos resolvidos. “Nosso trabalho surgiu graças à deficiência do Estado em investigar os casos registrados na Bahia”, afirma Paulo Reis, fundador da organização. Contando com agentes voluntários, o Interbusca oferece atendimento gratuito.
Pelo Brasil
Foto: Carol Garcia |
Estudos realizados pelo sociólogo Dijaci Oliveira, da Universidade de Brasília, apontam que a maioria dos casos são originados por fugas espontâneas, motivadas por fatores diversos, que envolvem desde maus tratos até procura de oportunidades de emprego em outras cidades. Sem aporte emocional por parte do Estado, sem amparo jurídico, que considera legalmente a pessoa morta após dez anos de desaparecimento, os parentes se sentem desorientados. “Pode-se afirmar que a família torna-se refém uma vez que depende da boa vontade das delegacias, da repercussão na mídia ou da influência a partir dos relacionamentos interpessoais”, conclui. Todo o aparato do Estado no que se refere ao drama dos que desaparecem, é voltado para o âmbito policial, sem preocupações quanto a possíveis delimitações. Onde termina uma prática delituosa e onde começa uma carência social é um fator que passa longe da mentalidade de quem decide. É uma hipótese tentadora, ainda que arriscada: camadas socialmente mais baixas são geradoras de desaparecimentos em função da falta de assistência estrutural que envolve serviços essenciais de educação, saúde e emprego. Em resumo, são ausências que surgem todos os dias em decorrência de outras.
Polinter:
um relatório inconsistente
Foto: Tom Correia |
Dona Vanda, Edileuza, Neemias e Diene enfrentam seus dramas particulares cada um à sua maneira. Tentam o refúgio na religião, recorrem ingenuamente à polícia ou fazem apelos-relâmpago na TV. À medida que o tempo avança sem esboçar novidades, qualquer tentativa é válida para aplacar o desespero. Em comum, além da ausência dos que partiram não se sabe para onde, resta a eles prosseguir convivendo com a expectativa angustiante de um retorno: eterno suspense que arrasta as horas do cotidiano.
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