terça-feira, 15 de maio de 2012

Quantos são?

As estatísticas no Brasil são frágeis e imprecisas


Dijaci Oliveira
Desde que foi criado, o site do Ministério da Justiça tem servido como referência oficial sobre o panorama dos desaparecimentos de pessoas. Na maior parte dos Estados, os dados são inacessíveis ou de péssima qualidade. Isso dificulta formular políticas mais eficientes para o enfrentamento do fenômeno. Sentimos falta de uma política de segurança que estimule uma investigação aprofundada sobre os dados criminais no Brasil. Segundo o site www.desaparecidos.gov.br, de janeiro de 2000 aos dias atuais, foram registrados 1.267 casos de pessoas desaparecidas. Conforme os números, Brasília aparece em primeiro lugar com 299 desaparecimentos; em segundo fica o Rio de Janeiro com 146 casos; Sergipe vem em terceiro com 128; São Paulo logo atrás com 126 ocorrências. Goiás estaria em quinto, contabilizando 97 casos. Destes, 73 já teriam sido resolvidos e 24 permanecem sem solução. Mas o que dizem tais números?


Eles incomodam. Pela dor que provocam nos familiares dos desaparecidos, pela ausência de uma organização policial mais eficiente que permita a elucidação e pela fragilidade das informações produzidas no Brasil. Mas quais os problemas em relação aos dados? Diante dos relatórios sobre desaparecimentos em outros países, percebe-se claramente um descompasso nos dados do Brasil. Vamos tomar três exemplos: França, Canadá e Estados Unidos. Conforme dados do Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention (OJJDP), ligado ao Departamento de Justiça dos EUA, em 1999 desapareceram 204,5 mil pessoas e em 2002 os números sobem para 797,5 mil. Na França, conforme a Manu Association, 56.073 pessoas desapareceram em 2007 e outras 59.480 em 2008. Já o Services Nationaux des Enfants Disparus, do Canadá, informa que anualmente desaparecem, em média, 65 mil crianças e adolescentes. Ao compararmos os dados do Brasil com esses três países, obviamente nos indagamos sobre o que produz essa disparidade entre os números.

A resposta está na metodologia que utilizamos. Nossos dados são frágeis e não representam uma leitura adequada da realidade. Em pesquisa realizada no ano passado no Rio de Janeiro pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), o sociólogo Gláucio Soares analisou 4.637 casos de desaparecimentos ocorridos em 2007. Ou seja, em um ano o Rio de Janeiro registrou três vezes e meia a quantidade de registros de dez anos presentes na página virtual do Ministério da Justiça. Pesquisas anteriores indicam que de cada dez pessoas desaparecidas, quatro são mulheres. Todavia, em alguns Estados elas podem superar em número os casos masculinos, como em Pernambuco e no Rio Grande do Sul. Outro dado que chama a atenção é que sete em cada dez casos envolvem pessoas negras (pretos e pardos). O estudo constatou ainda que crianças e adolescentes são os que mais desaparecem. Chama a atenção o fato de que na faixa de 15 a 19 anos os homicídios correspondem a 11,8%, enquanto os desaparecimentos, totalizam 24,8% dos casos notificados. A pesquisa constatou ainda que entre os jovens de 16 a 20 anos, mais de 80% dos casos haviam reaparecido. Infelizmente este ainda não foi o caso dos jovens desaparecidos em Luziânia*. A situação deles parece ser muito mais delicada. Sobretudo quando algumas instituições de segurança de outros países já demonstraram que as três primeiras horas são cruciais para ampliar as chances de se encontrar com vida. O que dizer, então, de 60 dias depois?

Esperamos que as políticas públicas de segurança sejam mais eficientes para que os casos de Luziânia e muitos outros também tenham finais felizes. Temos ainda outra barreira não menos importante: a publicização dos dados. Sem isso não é possível realizar uma análise aprofundada das inúmeras ocorrências. Ainda hoje no Brasil as estatísticas policiais são guardadas a sete chaves. Este é um grande problema para os pesquisadores, os meios de comunicação, a sociedade civil e o cidadão. Todos podem dar boas contribuições para compreender o fenômeno e precisam produzir informações para os cidadãos. A ampla disponibilidade dos dados é fundamental para que todos os interessados possam se debruçar sobre as informações em busca de respostas para os desaparecimentos. Sem a produção adequada dos dados e sem sua exposição continuaremos a achar que temos um grave problema pela frente, mas sequer suspeitaremos da sua real gravidade.

Dijaci David de Oliveira é doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), professor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) e da Universidade Federal de Goiás (UFG). Possui livros, teses e trabalhos publicados sobre desaparecidos civis.


* Entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010, seis adolescentes com idades variando de 13 a 19 anos, desapareceram no bairro Estrela D'alva, em Luziânia, cidade goiana que fica a 66 km de Brasília. Os casos repercutiram na mídia, chegando a ser investigado pela Polícia Federal por determinação do Ministério da Justiça. Em abril de 2010, os corpos foram encontrados após a confissão de assassinato dos garotos pelo pedreiro Admar Santos, que já havia cumprido pena por pedofilia.


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